CAMPANHAS DE DINAMIZAÇÃO CULTURAL : Outubro de 1974,

AS CAMPANHAS DE DINAMIZAÇÃO CULTURAL DO MFA
 [Apontamentos Históricos, 3º Capítulo)

 Passados seis meses, sobre o 25 de Abril de 1974, na vigência do 3º Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, é apresentado no Palácio Foz, em Lisboa, o Programa de Dinamização Cultural que viria a ser cordenado pela Comissão Dinamizadora Central (CODICE), uma estrutura da 5ª Divisão do Estado Maior das Forças Armadas, em colaboração com a Direcção Geral da Cultura e Espectáculos.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que o MFA foi surpreendido com a dura realidade do estado em que Portugal se encontrava.
 Uma piada muito comum, no tempo da ditadura dizia: Portugal é Lisboa... O resto é paisagem...” Infelismente, essa era a dura realidade. Ou seja, Portugal era Lisboa, Porto e as principais vilas e cidades do litoral.
O interior do País estava votado ao ostracismo e abandono. Era um atraso atroz. As populações do interior viviam em condições miseráveis, sem saneamento básico, sem energia eléctrica e sem água. As populações dependiam e estavam debaixo das manápulas dos caciques locais e dos Donos das Terras.
 O MFA iniciou a dinamização cultural, com a lucidez de saber interpretar os valores culturais intrinsecos a cada região. Os seus costumes e tradições. Pretendia-se democratizar e civilizar o povo, mas não contra este, nem impondo ideais culturais que fossem chocar com as tradicições populares e seus costumes. A relação entre cidadania e alfabetização conheceu alguns momentos fortes na história educativa portuguesa, em particular no que se refere ao período de transição da monarquia constitucional para a 1ª República (últimas décadas do século XIX , primeiras décadas do século XX). Essa relação foi, naturalmente, desvalorizada no período do Estado Novo salazarista. A Revolução do 25 de Abril de 1974 voltou a colocar o debate sobre a cidadania e a educação para a cidadania no centro da agenda educativa, relacionando-o com a democracia e com a alfabetização. Afirma-se, de forma veemente, que os cidadãos da nova sociedade inaugurada pela revolução necessitam de possuir competências mínimas ao nível da leitura, da escrita e do cálculo para poderem intervir de forma consciente e ativa na vida democrática. Nesse contexto, viram a luz do dia acções de natureza e origem diversas (movimento associativo estudantil, organizações partidárias, Movimento das Forças Armadas, grupos católicos, organizações populares, etc.), total ou parcialmente dedicadas à alfabetização, com particular destaque para as Campanhas de Alfabetização e Educação Sanitária, no âmbito das Campanhas de Dinamização Cultural do MFA, em que a componente de alfabetização era residual. As iniciativas desenvolvidas acabam por combinar, em graus diferentes, alfabetização e socialização política, para além da educação sanitária e da animação cultural, entre outras vertentes.´ Nessa ação, o MFA organizou as campanhas, rumo às aldeias. Se o povo não vinha à escola. A escola ia até ao povo. As brigadas eram essencialmente compostas por estudantes, aos quais se juntariam técnicos sociais, médicos e enfermeiros. Como adiante veremos, na ânsia de democratizar e libertar as populações, alfabetizando-as e dotando-as de condições básicas de saneamento básico, os militares do MFA cometeram o seu 2º maior erro da história do 25 de Abril e do PREC – Processo Revolucionário em Curso.Não souberam avaliar corretamente a dependência e subserviência das populações do interior, aos caciques e os Senhores que sendo do antigo regime, continuaram com todo o seu poder sobre as populações locais intacto.
Em 25 de Abril de 1974, iniciou-se a conjuntura revolucionária. No Outono seguinte, no regresso às aulas, a situação dos jovens que tinham terminado os estudos secundários e aqueles que se encontravam numa fase adiantada deste, estava por definir. Não se sabia bem o que esperar, pois estava em curso a reforma do ensino em Portugal. Afigurava-se desconhecido o destino de um contingente avaliado em cerca de 35.000 estudantes, o que representava cerca do dobro dos alunos do primeiro ano das Universidades no ano letivo anterior.
Afirmava-se que, nesse ano letivo, não ia abrir o primeiro ano nas Universidades do país, então em profunda mudança. Quanto ao secundário, a reestruturação do ensino anunciava alterações profundas nos cursos e no sistema escolar que vigorava, não estando esclarecido o eventual recurso a um chamado ano 0, de reestruturação do ensino, onde aqueles que frequentavam os últimos anos do secundário, temiam sorte idêntica aos que esperavam o ingresso nas faculdades.
Havia a ameaça daquilo que, para a época, era um grande contingente de jovens com um vazio de um ano pela frente.
Neste contexto, surgiu o Serviço Cívico Estudantil.
Esta inovação da conjuntura revolucionária portuguesa foi constituída por um conjunto de ações junto de populações ou instituições identificadas de algum modo como problemáticas ou carênciadas, cobrindo principalmente as áreas da alfabetização, saúde, segurança social, ações culturais, desporto, apoio às atividades escolares e circum-escolares, atividades no sector primário, realização de inquéritos. Foi desempenhado por estudantes.
Num ano problemático, chegado o final desse ano, os meses de Julho, Agosto e Setembro, foram aproveitados pelo MFA, para a Mobilização Estudantil, desenvolvendo as campanhas de alfabetização,
Era o rumar às aldeias. Este projeto, e ação estudantil, por muito que tenha sido pensado e apresentado como singular, não o foi nem no país nem no mundo, existindo inúmeras outras experiências próximas.
 O Serviço Cívico Estudantil não foi único em termos internacionais.
 Este tipo de experiências não aconteceu apenas em Portugal.
 Em conjunturas diversas, e sob formas variadas, aconteceram experiências com maiores ou menores semelhanças antes da divisão do mundo em Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo e, após esta divisão, em vários tipos de países pertencentes a estas categorias.
Porém, as iniciativas massivas de “ida ao povo” dos estudantes, na sua condição estudantil, ocorreram em contextos de sociedades de transição, em situações não estabilizadas, nas quais se verificaram problemas para os quais este tipo de iniciativas podia constituir um recurso.
Sublinhe-se que, para além do caso português, nas décadas de 60 e 70, este tipo de experiências teve lugar, por exemplo, em Cuba, no Peru, na Somália, situações nas quais houve paragem nas atividades letivas ou nos percursos previsíveis e imediatos de saída das escolas, substituídos por ações junto das comunidades. Estas inovações aconteceram, assim, em conjunturas revolucionárias, nas quais poderiam permitir ganhar tempo para tentar resolver revolucionárias, nas quais poderiam permitir ganhar tempo para tentar resolver problemas conjunturais ou efetuar modificações estruturais, para realizar operações de uma nova socialização, quer dos estudantes quer de outras camadas populacionais, para criar identidades revolucionárias e, eventualmente, para difundir inovações, contribuindo para a integração nacional.
 O Serviço Cívico Estudantil também não foi único em termos nacionais.
A análise de experiências lançadas ou sancionadas pelo sistema de ensino (como o Trabalho Produtivo Socialmente Útil no Ensino Básico e Abertura da Escola ao Meio Social, a Educação Cívica Politécnica, as Atividades de Contacto, os Estágios de Trabalho Indiferenciado), a abordagem de iniciativas de grupos estudantis em educação popular (nomeadamente sob a forma de campanhas) e de outras ações junto dos grupos populares (como, por exemplo, as Campanhas de Dinamização Cultural do MFA) permitiram sobejamente confirmar a existência de uma família de experiências de “ida ao povo”, no Portugal revolucionário, que têm como laço comum a valorização deste mesmo povo, dos deserdados para os quais se deseja outra situação, outra sorte, outro futuro que, de algum modo, os participantes querem, ou são supostos querer, construir. Em inúmeras destas iniciativas, pretendia-se não só conhecer a “verdadeira vida do povo”, diagnosticando a sua situação, como também agir e contribuir para a sua ação na construção de uma nova sociedade que vencesse a questão da desigualdade social.
 O Serviço Cívico Estudantil não foi uma criação politicamente homogénea. Surgiu no cruzamento de sectores de três áreas políticas fundamentais, ao tempo conhecidas como republicana e socialista, comunista e católica progressista, áreas estas cujos membros nem sempre tinham posições idênticas. As personalidades e forças relevantes para a formação da opinião pública e os responsáveis pela concretização do Serviço Cívico Estudantil socorreram-se dos repertórios possíveis. Alguns destes remetiam para o universo pessoal dos envolvidos, indo, por exemplo, das experiências dos cursos militares de Vendas Novas e da Ação Psicológico militar na Guiné do General Spínola à do trabalho numa cadeia de montagem industrial na França dos anos 60 ou à da apicultura em Itália.
Outros repertórios tinham como referências maiores as Campanhas de Alfabetização e Educação Sanitária do Verão de 1975 e as ações estudantis de apoio às vítimas das cheias em 1967, não esquecendo o prestígio, entre alguns sectores, da campanha de alfabetização cubana de 1961. Sublinhe-se, contudo, que a invocação das experiências individuais e coletivas foi desencadeada por um problema de impossível solução: a incapacidade estrutural dos voluntários cumprirem, no campo, aldeias, as ações que lhes haviam sido destinadas, ou seja, do fracasso das ações e programas estruturados, aqueles que se viam no meio das populações, foram obrigados a resolver os muitos problemas que lhes surgiam pela frente, improvisando e de acordo com as suas próprias experiências ou sensibilidades. Planeadas pelo MFA, para cobrir todo o País, estas não conseguiram ser desenvolvidas na Ilha da Madeira e em grande parte das regiões do Arquipélago dos Açores. Quanto ao Alentejo, região de fortíssima influência do Partido Comunista, este monopolizou-as e tomou conta das campanhas, deixando o MFA de fora.
 Quanto ao restante do País, o Verão de 1975, as Campanhas do MFA acumularam muitos problemas e erros. Os caciques e forças do antigo regime, dominantes, ainda, em muitas aldeias do interior, levantaram as populações contra os estudantes e estes tiveram de se retirar. Em muitos casos, houve estudantes agredidos e mesmo, alguns feridos. Ou seja, o seu previsível esforço de desenvolvimento rural e democratização, caracterizou-se por uma arrastada agonia e um fracasso longamente anunciado, durante o qual os responsáveis do MFA tentaram resolver a questão, mas foram ineficazes e foi impossível cumprir os planos.
Aquele Verão de 1975 terminou, assim, com saldo quase totalmente negativo.
E a Norte do Rio Mondego que se encontra com o Oceano em Coimbra, apenas há o registo de um caso de sucesso, onde os objetivos foram totalmente assegurados.
Desse falaremos em próximo capítulo.

Citizengrave.blogspot.pt

passapalavra.info

Sem comentários:

Enviar um comentário