MOÇAMBIQUE


DESCOLONIZAÇÃO
Moçambique, 7 de Setembro de 1974: os dias do fim
Miguel Freitas da Costa Email
Durante três dias essa vaga alteou-se e chegou a pensar-se que chegaria à praia. Ao terceiro dia, abateu-se, para não mais se levantar, não sem que tivessem sido feitas novas promessas e garantias vãs
DESCOLONIZAÇÃO
FRELIMO
MOÇAMBIQUE A 7 de Setembro de 1974 foram assinados na capital da Zâmbia, entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique, o denominado Acordo de Lusaka. Neste acordo o Estado Português não só reconheceu formalmente o ‘direito do povo de Moçambique à independência’ como acordou – ‘em consequência’, escreve-se algumas vezes, sem muito respeito pela lógica – a data e os passos da transferência para a FRELIMO da soberania que detinha sobre o território de Moçambique. Pelo Estado português assinaram, por esta ordem: Ernesto Augusto Melo Antunes (Ministro sem Pasta), Mário Soares (Ministro dos Negócios Estrangeiros), António de Almeida Santos (Ministro da Coordenação Interterritorial), Victor Manuel Trigueiros Crespo (conselheiro de Estado), Antero Sobral (Secretário do Trabalho e Segurança Social do Governo Provisório de Moçambique), Nuno Alexandre Lousada (tenente-coronel de infantaria), Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa (capitão-tenente da Armada), Luís António de Moura Casanova Ferreira (major de infantaria). O Acordo seria aprovado e mandado publicar pelo Presidente da República, General António de Spínola, ‘depois de ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório.’ Pela Frente de Libertação de Moçambique, com simplicidade, assinou Samora Moisés Machel (Presidente). Não era o que se garantia no chamado ‘Programa do MFA’ nem era o que diziam (era mesmo o contrário do que prometiam), à uma, as mais altas instâncias institucionais do poder revolucionário. Mas era o que estava escrito na lógica dos acontecimentos e na intenção de alguns poderes de facto e de algumas cabeças. Como alguém disse a propósito da Revolução Francesa, ‘o que era necessário (para não ser como foi) já não era possível’ ou, pelo menos, não se revelou possível: a história passada é a única que é irreversível. Grassava em todo o território, naquilo a que se costuma chamar amplas faixas da população, o medo e a inquietação quanto ao futuro. Já se temia que o ‘processo’ acabasse como acabou. O comportamento das forças da Frente de Libertação de Moçambique triunfante não era de bom augúrio. Na véspera, 6 de Setembro, Lourenço Marques despovoara-se por causa dos comícios organizados pela Frelimo à boa maneira maoista. Via-se cada vez mais claramente que o poder saía da boca das espingardas, uma velha lição sempre renovada. Segundo alguns relatos, as provocações de alguns grupos frelimistas no centro da capital moçambicana foram a fagulha que ateou o rastilho. Nesse mesmo dia 7, não estava seca ainda a tinta das assinaturas de Lusaka (nem talvez traçadas sequer), saíram à rua nalgumas cidades de Moçambique muitos milhares de pessoas, num movimento popular que os testemunhos conhecidos são concordes em considerar ‘espontâneo’ e que teve como mais espectacular manifestação a ocupação do Rádio Clube de Moçambique em Lourenço Marques, que passou a emitir em nome do Movimento Moçambique Livre. Nele se uniram muitos funcionários da Administração e das forças de segurança, jornalistas, antigos combatentes, gente vulgar (gente que tem os seus nomes e a que se costuma chamar anónima), chefes políticos moçambicanos de várias cores, em sentido literal e figurado. Tinha-se constituído dias antes um denominado Partido de Coligação Nacional em cuja Comissão Executiva se juntavam representantes do COREMO, da FUMO, do MONIPAMO, etc., entre os quais Uria Simango e Joana Simeão, dois dos mais conhecidos e dos mais desditados. Nesse grito de protesto contra a entrega de Moçambique a um único partido considerado minoritário e que se reclamava na sua teoria e na sua prática das experiências do ‘socialismo real’, aparecia unida gente muito diversa, do Dr. Velez Grilo (antigo dirigente do PCP) a Gonçalo Mesquitela ou Daniel Roxo. Foi um movimento entusiástico mas desarmado. Inesperadamente, foi em Moçambique que eclodiu uma revolta desta natureza e destas proporções contra a forma assumida pela ‘descolonização’ e não, por exemplo, como muitos contariam, em Angola. Durante três dias essa vaga alteou-se e chegou a pensar-se que chegaria à praia. Ao terceiro dia, abateu-se, para não mais se levantar, não sem que tivessem sido enviados a Moçambique representantes do Presidente da República, com novas promessas e garantias. A 10, aos mesmos microfones da Rádio Moçambique Livre agora rendida, um representante da FRELIMO protegido por militares portugueses e, ao que testemunha Ricardo Saavedra na sua dramática crónica vivida desses ‘dias do fim’, disfarçado ‘com uma farda e com os galões de alferes do Exército português’, começa assim uma breve alocução: ‘Galo. Galo. Galo. Amanheceu’ (Aqui Moçambique Livre, Livraria Moderna, Joanesburgo, 1975). Seguiram-se dias de pânico, de saque e violências (3.000 mortos?), de fuga em massa para territórios vizinhos, de prisões e degredos e mortes anunciadas. A 30 desse mês, o General Spínola renunciaria atabalhoadamente à Presidência da República. O dia 7 de Setembro é hoje um dos feriados nacionais em Moçambique. Comemora o Dia da Vitória.
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40 ANOS 25 DE ABRIL E DE INDEPENDÊNCIA

Cronologia 1974-2002: Das independências ao fim da guerra em Moçambique e Angola

Depois da Revolução dos Cravos, sucedem-se as independências das colónias portuguesas. Logo em 1975, os movimentos angolanos iniciam um conflito armado pelo controlo do país. A guerra civil dura até o ano de 2002.

Cerimónia realizada em Madina de Boé após o reconhecimento por Portugal da independência da Guiné-Bissau

10 de setembro de 1974

Independência da Guiné-Bissau
O acordo de Portugal com o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) sobre a independência da Guiné-Bissau é ratificado no dia 10 de setembro de 1974. A Guiné-Bissau passa a ser a primeira colónia portuguesa em África que conquistou a independência. Os portugueses começam então a abandonar a capital, Bissau. Após a independência, e até 1980, a Guiné-Bissau e Cabo Verde passam a ser dirigidos por um único partido, o PAIGC.

28 de setembro de 1974

Tentativa de golpe
A 28 de setembro, o Movimento das Forças Armadas (MFA) proíbe uma manifestação de apoio ao Presidente António de Spínola. A tentativa de golpe de Estado levada a cabo por forças próximas ao general Spínola e a rejeição da política do MFA não dá frutos. Barricadas de populares cortam os acessos a Lisboa. Na sequência do golpe falhado, Spínola apresenta a sua demissão. O seu sucessor é Francisco da Costa Gomes, membro da Junta de Salvação Nacional e chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas desde o 25 de abril de 1974. A influência comunista cresce cada vez mais no país.

Barricadas de populares e de militares após os acontecimentos do 28 de setembro de 1974

Janeiro de 1975

Acordo de Alvor
Decorre de 10 a 15 de janeiro no Alvor, Algarve, uma cimeira para debater a independência de Angola. O Acordo de Alvor é assinado no dia 15 de janeiro entre o Governo português e os três principais movimentos de libertação angolanos: Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e estabelece os parâmetros para a partilha do poder na antiga colónia. O dia 11 de novembro é estabelecido como a data da independência do país. No entanto, pouco depois da assinatura do documento, os movimentos iniciam um conflito armado pelo controlo do país. Começava, assim, a guerra civil em Angola.

Delegados portugueses e angolanos presentes nos encontros de Alvor: Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal (segundo da esq.), Jonas Savimbi da UNITA (terceiro da esq.), Holden Roberto da FNLA (quarto da esq.), Costa Gomes, Presidente de Portugal (terceiro da dir.) e Agostinho Neto do MPLA (segundo da dir.)

25 de abril de 1975

Primeiras eleições livres em Portugal após 50 anos
Um ano depois da Revolução dos Cravos, realizam-se eleições para a Assembleia Constituinte. São as primeiras eleições livres com sufrágio universal realizadas nos últimos 50 anos em Portugal. O grande vencedor foi o Partido Socialista (PS), que conquistou quase 38% dos votos (116 assentos), seguido do Partido Popular Democrático (PPD, que mais tarde passaria a designar-se Partido Social Democrata, PSD) com pouco mais de 26% dos votos (81 assentos) e do Partido Comunista Português (PCP), que conseguiu perto de 12,5% dos votos (30 assentos). No mês seguinte, os conflitos entre o PS e o PCP agravam-se e a extrema-esquerda ocupa a Rádio Renascença, emissora católica portuguesa.

Mesas de voto em Lisboa. As eleições para a Assembleia Constituinte tiveram lugar a 25 de abril 1975

25 de junho de 1975

Independência de Moçambique
Moçambique torna-se independente de Portugal em 25 de junho de 1975, depois de mais de uma década de guerra de libertação. A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) forma o primeiro Governo, dirigido por Samora Machel, o primeiro Presidente do país. O novo Executivo leva a cabo uma série de medidas para restituir ao povo moçambicano os direitos que lhe tinham sido negados pelos portugueses durante a época colonial. São também criadas várias empresas estatais. Em Angola, a guerra aumenta de intensidade e faz crescer o fluxo de “retornados”, nome dado aos residentes nas antigas colónias que voltaram para Portugal. Nas antigas colónias estavam radicados cerca de 600 mil portugueses.

À meia-noite do dia 25 de junho de 1975, soldados da FRELIMO hastearam a nova bandeira nacional na então capital Lourenço Marques (atual Maputo)

Julho de 1975

“Verão Quente” em Portugal
Em Portugal assiste-se a um processo de contestação ao Governo e a uma disputa aguerrida pelo poder político-militar. Assaltos e ataques bombistas contra sedes dos partidos marxistas-leninistas marcam os meses de julho e agosto. A crise governamental levou à queda do Executivo e, posteriormente, à demissão do primeiro-ministro Vasco Gonçalves. Este período de tensão em Portugal ficou conhecido como “Verão Quente” e culminou com as movimentações militares de 25 de novembro. O país esteve à beira de uma guerra civil.

Os acontecimentos ocorridos em 1975 em Portugal quase levaram a uma guerra

5 de julho de 1975

Independência de Cabo Verde
A independência de Cabo Verde é proclamada no dia 5 de julho de 1975. O primeiro Presidente da República do país é Aristides Pereira, que juntamente com Amílcar Cabral fundou o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Aristides Pereira a prestar juramento como Presidente da República de Cabo Verde

12 de julho de 1975

Independência de São Tomé e Príncipe
Uma semana depois da independência de Cabo Verde, a 12 de julho, também São Tomé e Príncipe se torna independente. Manuel Pinto da Costa, que desempenhou um papel importante na luta pela independência do regime colonial português, assume a presidência do país.

Manuel Pinto da Costa foi o primeiro Presidente de São Tomé e Príncipe entre 1975 e 1991. Vinte anos mais tarde, em 2011 (foto), vence as eleições e volta à presidência

11 de novembro de 1975

Independência de Angola
No dia 11, em Luanda, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) proclama a independência da República Popular de Angola. Agostinho Neto assume a presidência do país. Portugal reconhece o Governo do MPLA. Em Nova Lisboa (atual Huambo), a FNLA e a UNITA também proclamam a República Democrática de Angola, que a comunidade internacional nunca virá a reconhecer. Continua a guerra civil angolana: UNITA e FNLA lutam com o apoio da África do Sul contra o Governo do MPLA, que tem o apoio de soldados cubanos. É uma das guerras mais sangrentas durante o período da Guerra Fria, que ficou marcado pelo conflito entre os EUA e os seus aliados ocidentais, que apoiaram a UNITA e FNLA, e a União Soviética e os seu aliados orientais, que apoiaram o MPLA. Devido às riquezas naturais e potencialidades económicas de Angola, o processo de descolonização deste território foi o mais longo entre todas as colónias portuguesas.

Cartaz do MPLA representando Agostinho Neto e o povo angolano

28 de novembro de 1975

FRETILIN proclama independência de Timor
A Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN) proclama a independência do território em 28 de novembro de 1975. Três dias depois, o território, que tinha sido a mais esquecida das colónias portuguesas, é invadido pela Indonésia. O Governo indonésia temia um país vizinho comunista, já que a FRETILIN era de inspiração marxista. Depois do golpe militar no ano de 1965, o regime do General Suharto já tinha massacrado entre 500 mil e dois milhões indonésios para eliminar fisicamente os movimentos comunistas e democratas. A seguir à invasão indonésia em 1975, a FRETILIN refugia-se então nas montanhas, onde continua a resistência armada, enquanto as tropas portuguesas se refugiam na ilha de Ataúro. Em 1976, o governo de Jacarta anuncia que Timor-Leste será integrado na Indonésia. “Timor Timur” passa a ser a sua 27ª província. Timor foi considerado pela ONU como território português até 1999. Nesse ano, a maioria dos timorenses votou pela independência da Indonésia no referendo realizado por Jacarta. Como retaliação do resultado, forças de oposição à independência e grupos paramilitares ligados ao Governo de Jakarta espalharam a violência e a morte pela região. De 1974 a 1999 morreram pelo menos 102 mil pessoas por causa da ocupação pela Indonésia. Timor-Leste só se tornaria um país independente em 20 de maio de 2002.

Comício da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN) em Timor-Leste (1974)

1976

Guerra civil em Moçambique
Começa a guerra civil entre a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que se prolongaria até 1992. Além de paralisar o país em termos económicos e sociais, o conflito de 16 anos provocou a morte um milhão de pessoas e fez mais de três milhões de refugiados. Durante o conflito, travado em plena Guerra Fria, a FRELIMO é apoiada pela União Soviética, enquanto a RENAMO conta com a ajuda do regime branco da Rodésia e, a partir de 1980, também da África do Sul.

Soldados zimbabueanos a patrulhar a linha ferroviária do Corredor da Beira durante a guerra civil (foto de 1987)

1992

Fim da guerra civil em Moçambique
Com a mediação da Comunidade de Sant’Egídio, organização religiosa fundada em Itália, a 4 de outubro é assinado, em Roma, Itália, o Acordo Geral de Paz entre o Governo moçambicano e a RENAMO, pondo fim a 16 anos de guerra civil. O conflito deixou mais de um milhão de mortos e transformou país num dos mais pobres do mundo. Em 1990 já tinha sido aprovada a revisão da Constituição que introduzia o sistema multipartidário em Moçambique. A FRELIMO punha de parte a ideologia marxista-leninista.

Joaquim Chissano (FRELIMO, à esq.) e Afonso Dhlakama (RENAMO, à dir.) apertaram as mãos em Roma no dia 4 de outubro de 1992

2002

Fim da guerra civil em Angola
No dia 4 de abril de 2002 a paz chegou a Angola com a assinatura do acordo de Luanda entre o governo do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) MPLA e a União Nacional pela Independência Total de Angola (UNITA). As duas formações políticas com mais influência no país pousaram as armas, pondo, assim, fim a 27 anos de uma guerra civil que causou pelo menos 500 mil mortos e mais de dois milhões de refugiados. A seguir à paz, Angola viveu um "boom" económico graças ao petróleo, atingindo um crescimento de mais de 20 % em 2005 e em 2007. Mas apesar deste crescimento, muitos angolanos continuam até hoje a viver na pobreza.

General Armando da Cruz Neto (à esq.) das Forças Armadas de Angola e general Abreu Muengo Ukwachitembo "Kamorteiro" da UNITA na assinatura do acordo de paz em Luanda a 4 de abril de 2002
BIBLIOGRAFIA:
Afonso, Aniceto/Gomes, Carlos de Matos, Os Anos da Guerra Colonial - 1961.1975, Lisboa, Quidnovi, 2010.
Cervelló, Josep Sánchez, A Revolução Portuguesa e a sua Influência na Transição Espanhola (1961-1976), Lisboa, Assírio & Alvim, 1993.
Marques, A. H. Oliveira, Breve História de Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 2006.
Rodrigues, António Simões (coordenador), História de Portugal em Datas, Lisboa, Temas e Debates, 2000 (3ª edição).

Agradecimento especial:
Casa Comum (Fundação Mário Soares)

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