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Linha Aérea e outros voos - A PONTE AÉREA de 1975
Os dramáticos dias do início da descolonização portuguesa
Foi o maior êxodo da História de Portugal
Começou em 17 de Julho de 1975 e acabou a 3 de Novembro, desse mesmo ano
Um episódio.
Boeing B 747 |
Nota:
…Em 1974, uma revolução em Lisboa apanha de surpresa centenas de milhares de portugueses que vivem em Angola. A partir desse dia inicia-se a derrocada imparável de uma sociedade inteira que, tal como um navio a afundar-se, está condenada à destruição e à ruína. Em escassos meses, trezentos mil portugueses são obrigados a largar tudo e a fugir, embarcando numa ponte aérea e marítima que marca o maior êxodo da história deste povo. Para trás ficam as suas casas, os carros e até os animais de estimação. Empresas, fábricas, comércio e fazendas são abandonados enquanto Luanda, a capital da jóia da coroa do império português, é abalada por uma guerra civil que alastra ao resto do território angolano.
Excerto do livro de Tiago Rebelo: “O Último Ano em Luanda”
Nota:
Terão saído de Angola para Portugal cerca de 305 mil pessoas entre Maio de 74 e Novembro de 75.
“Durante a ponte aérea, não havia programação de voos os aviões chegavam, abasteciam-se e partiam, foram períodos de uma tensão a raiar os limites de ser suportada”.
Gonçalves Ribeiro, Alto-Comissário para os Refugiados.
Eduarda Ferreira in: Jornal de Notícias.
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28 de Agosto de 1975
Nessa noite apresentei-me, como Co-Piloto de Boeing 747, nas Operações da TAP em Lisboa para fazer mais um voo da Ponte Aérea.
Neste caso seria Lisboa / Luanda / Nova Lisboa / Luanda / Lisboa
Já à saída de Lisboa se notava um ambiente estranho entre a tripulação (reforçada). Havia um grupo que parecia saber de coisas que viriam a acontecer e mais ninguém sabia.
Os outros interrogavam-se, notando a ligação ao Partido Comunista daquele grupo sabedor de coisas...
A pouco e pouco, até Luanda, percebeu-se do que se tratava, sem que os 2 Comandantes tivessem sido avisados da alteração “programada“, à sua revelia, do propósito inicial do voo a Nova Lisboa : recolher civis Portugueses e trazê-los para Lisboa.
E o que se tramava era nem mais nem menos isto:
- Deixar em terra, em Nova Lisboa, os Portugueses, ao abandono.
- Levar dali para Luanda os militares do MPLA, em perigo dado o apertar do cerco à cidade pela UNITA.
- Regressar a Lisboa num voo comercial normal e não de Refugiados...
Cockpit do B747 |
Quando finalmente, ainda em voo para Luanda, toda a tripulação ficou a saber do que se tramava algures em Lisboa, Luanda e no próprio avião, ficou decidido, pela maioria em mini-plenários, (plenários a bordo, em pleno voo, dá para acreditar?...) que o voo se faria integralmente como programado:
- Em Nova Lisboa só embarcariam Portugueses que viriam até Lisboa connosco!
Luanda anos 60 |
Em Luanda, durante o reabastecimento a caminho de Nova Lisboa, o chefe de escala, conotado com o PC, tentou alterar as coisas tendo no entanto sido avisado das intenções da maioria da tripulação.
À chegada a Nova Lisboa, ainda do ar, podia ver-se uma longa fila de cerca de 400 pessoas fora da Aerogare prontas a embarcar, há 3 dias a viver ali, mais ou menos na rua.
Quando a porta do avião se abriu e aquela brisa húmida e muito quente se sentiu, entrou uma delegação TAP, ad-hoc, local (manutenção e placa) a informar que se os MPLA’s embarcassem em vez dos Portugueses, (o próprio MPLA estaria avisado que o voo seria para os recolher…) todos os funcionários TAP embarcariam também, quanto mais não fosse pelo receio de represálias pela UNITA.
Embarcaram os portugueses… em estado miserável, há três dias sem comida.
Crianças e bebés comiam latas de atum e pão seco.
Os adultos só pão seco molhado em água.
Todos exibiam um tom de pele doentio cor de folha de tabaco.
Nota:
…Em Nova Lisboa a situação era tremenda. Havia uma espécie de grande hangar e as pessoas chegavam das mais variadas formas, carregadas de malas. Como não as podiam levar — havia um limite de 30 kg por passageiro — havia uma montanha incrível de bagagem deixada para trás. Não havia condições nenhumas, a sanita era um antigo avião de campanha completamente recuperado que um oficial qualquer tinha resolvido pôr ali como monumento. Imagine-se, um avião que tinha andado na guerra!
…Em Nova Lisboa a situação era tremenda. Havia uma espécie de grande hangar e as pessoas chegavam das mais variadas formas, carregadas de malas. Como não as podiam levar — havia um limite de 30 kg por passageiro — havia uma montanha incrível de bagagem deixada para trás. Não havia condições nenhumas, a sanita era um antigo avião de campanha completamente recuperado que um oficial qualquer tinha resolvido pôr ali como monumento. Imagine-se, um avião que tinha andado na guerra!
"Quem controlava eram os guerrilheiros da Unita, que tinham um aspecto inacreditável. A tropa já se tinha vindo embora. Assim tínhamos de discutir horas com os UNITAS que queriam entrar nos nossos aviões para ir lá buscar pessoas, e assegurar que eles não inutilizassem o avião. Era essa a minha maior preocupação quando estava no solo.”
“Chegou a uma altura em que a tropa portuguesa já se tinha vindo quase toda embora e mesmo em Luanda as pessoas só se sentiam seguras no aeroporto. Chegámos a ter lá 5000, numa caserna para 500 homens.”
Gonçalves Ribeiro, mais tarde Alto-Comissário para os Refugiados, o nome que todos apontam como coordenador da ponte aérea que em três meses e meio transportou quase meio milhão de pessoas de Nova Lisboa e Luanda para o aeroporto da Portela.
por Fernanda Câncio
Do Blogue: “No tempo dos Araújos”
Já em Luanda, em transito para Lisboa, pelo grande empenho do chefe de escala da TAP, ficou decidido que o voo para Lisboa seria com os passagiros normais, pagantes e os de Nova Lisboa seriam simplesmente adicionados à enorme desumanidade que era naqueles dias o caos naquele Aeroporto de Luanda.
Nota:
No aeroporto de Luanda, milhares de pessoas aguardavam, nas piores condições de salubridade, um lugar nos aviões Jumbo da TAP, que transportavam a um ritmo de mais de mil pessoas por dia as cerca de 250 mil que queriam regressar.
Rui Ochôa, Expresso, 26 de Julho de 2009
E enquanto o avião era reabastecido e limpo, os espoliados embarcados em Nova Lisboa foram desembarcados, com o falso pretexto de que o avião tinha de ser reabastecido sem passageiros.
Essas 400 pessoas foram despejadas na aerogare, ao abandono, após 3 dias atrozes de desespero em Nova Lisboa. Iam começar nova odisseia. Mas desta vez a um passo da liberdade prometida mas agora integrados numa luta maior de acrescida competição por um lugar a bordo de um qualquer avião.E enquanto o avião era reabastecido e limpo, os espoliados embarcados em Nova Lisboa foram desembarcados, com o falso pretexto de que o avião tinha de ser reabastecido sem passageiros.
E, claro, na hora do embarque lá entraram outras gentes, com muito melhor ar, os passageiros pagantes do voo regular para Lisboa.
Uma meia hora depois e já com o avião praticamente cheio, os nossos amigos de Nova Lisboa, desembarcados à força naquele Inferno, eles que já vinham de outra muito amarga experiência, deram-se conta de que tinham sido enganados e agiram rapidamente num misto de medo e fúria.
Em pânico, invadiram expontâneamente a placa a correr por ali fora atabalhoadamente direitos ao avião acossados pelo medo de tendo já escapado ao terror de que se tinham livrado, estarem agora irremediavelmente condenados a no mínimo… apodrecer na Aerogare de Luanda sem comida, água, cuidados de saúde e completamente indefesos.
Os pára-quedistas Portugueses de serviço junto ao avião, de G3 apontadas a eles, limitaram-se a ficar extáticos, virados para a Aerogare, e a ser ultrapassados por todos os desgraçados que quisessem.
Num instante um mar de gente em fúria, filhos e bagens nas mãos, subindo por todas as escadas possíveis, entrou pelo avião dentro, sem controlo. Em segurança, de novo!
E os que não iam conseguindo entrar porque todas as escadas estavam a abarrotar de gente desesperada, ficaram a toda a volta do avião.
Vários firmemente agarrados ao trem de aterragem para não serem recambiados, alguns com filhos muito pequenos seguros pelo outro braço, muitos a tentar subir as escadas atafulhadas de gente, todos aos gritos, todos em lágrimas e a tripulação dentro do avião, junto às portas, a lutar com a impossibilidade de gerir aquele inesperado drama para o qual ninguém estava preparado, por muito que se julgasse capaz.
Entretanto, no upper-deck do Boeing 747 CS-TJB, no dia 29 de Agosto de 1975, a meio da tarde, a situação era calma… “ foram vocês que arranjaram isto, agora desenrasquem-se “.
Para mim foi demais…
Fui lá para baixo tentar fazer qualquer coisa. A tripulação de cabine mais experiente já tinha conseguido fechar a porta da frente. Agora a grande confusão era na porta do meio.
Com intenso dramatismo, todos aos gritos, todos fora de controlo (a tripulação já tinha uma noite de serviço e 12 a 14 horas de trabalho) íamos puxando para dentro os que estavam meio cá meio lá, tentando manter os outros de fora para se conseguir fechar também esta porta.
Um velho no topo da escada socorre-se de mim (eu era o que tinha ali, no momento, mais galões nos ombros) e grita-me repetidas vezes:
- Os meus filhos!!! Os meus filhos!!!
- Aonde é que eles estão?
Perguntei-lhe tentando gritar mais alto do que todos os outros 50 ou 60 que nos rodeavam dentro e fora...
- Aí dentro !!!
Eram 3. Entre pequenos e mais velhos. E estavam mesmo ao meu lado…
Consigo sair a custo do avião e já na escada, começo a puxá-lo para dentro por um braço enquanto todos os outros aproveitam a boleia e forçam a entrada, escada acima, contrariando a tripulação de cabina que, atrás de mim, tenta impedir aquele caos, empurrando toda a gente para fora.
E no meio do mais fantástico puxa-empurra, desesperado, tudo aos gritos, tudo em lágrimas, todos com os mais dramáticos e irrecusáveis argumentos a pedir para entrar, não sei quando, às tantas, consegui ouvir alguém gritar, do chão:
- A ESCADA VAI CAIR!!!
O excesso de peso e as grandes oscilações faziam com que os apoios hidráulicos que elevavam a escada à grande altura da porta do Boeing 747 estivessem já curvos e bamboleantes.
A base da escada, junto à porta do avião, já estava uns bons centímetros abaixo do nível da porta.
Deu-se então uma luta final realmente titânica para conseguir fechar aquela porta, ela que ainda por cima fecha de fora para dentro... tentando convencer as pessoas no topo da escada do perigo que todos nós corríamos.
Fechada a porta conseguimos reduzir o nosso drama só ao interior daquela nave de loucos.
Isolado o avião, restava avaliar a situação e arranjar uma solução.
No chão, à volta do avião, haveria 100 a 200 homens mulheres e crianças e a bordo do nosso Boeing B 747 havia cerca de 600… entre os originários de Nova Lisboa e passageiros embarcados em Luanda.
O que se passava no exterior com tantas pessoas desesperadas, com tantas crianças violentamente expostas a este drama, deixou de nos preocupar.
O drama e a insegurança estabelecida dentro do avião eram-nos prioritários agora.
Todos se achavam no direito de seguir viagem para Lisboa.
Os argumentos eram os mais variados.
Havia quem, bem trajado e com ar saudável, acabado de sair de sua casa em Luanda, mostrasse um Rx para uma operação urgente. Havia famílias subitamente separadas, dentro e fora do avião, pais e filhos separados por uma simples porta, impenetrável.
Havia enfim um sem número de problemas reais ou fictícios e nenhum critério ou orientação para começar, sequer, a solucionar aquilo: o avião só podia transportar legalmente 400 passageiros e mais os cerca de 36 tripulantes, (tripulação reforçada) além dos dois ou três representantes do IARN, organismo Estatal de Apoio aos Refugiados Nacionais que seguiam em todos os voos da Ponte Aérea.
Não me lembro de nenhuma acção de apoio, nesta situação, destes mesmos elementos, supostamente de apoio. Estavam sentados no lugar certo e por ali ficaram…
Havia também um garrido grupo de 25 bem arranjadas prostitutas de Luanda.
Nesta tremenda confusão, uma passageira, muito bem vestida, obviamente originária de Luanda e também desesperada por se ver ameaçada de ser devolvida ao Inferno se fosse desembarcada, agarrou a mão de uma muito jovem assistente de bordo da TAP que passava, abriu a carteira, tirou de dentro dela uma pequena pistola de canos cromados, punho em madrepérola, apontou-a à sua própria cabeça e disse calmamente à apavorada assistente:
- Olhe menina, se eu não for para Lisboa, mato-me aqui mesmo!
Talvez a melhor imagem do desespero das pessoas, melhor ou pior vestidas, naqueles dias...
É claro que a jovem Assistente apareceu no upper-deck em perfeito estado de histerismo.
Convém lembrar que entretanto já se tinham passado mais de 14 horas desde a apresentação da tripulação em Lisboa, por volta da meia-noite anterior…
E perante a inoperância da escala de Luanda, propositada, e da falta de soluções dos mais altos responsáveis a bordo, dois elementos da tripulação resolveram, por sua alta recreação, meter mãos à obra e começaram intermináveis viagens entre o avião e a Aerogare dialogando passageiro a passageiro para avaliar das verdadeiras e inadiáveis razões que cada um teria para seguir mesmo naquele voo.
Foram um Técnico de Voo e um Comissário de Bordo:
Não me lembro do nome do Técnico de Voo, mas sei que era o pai de uma funcionária jovem e bonita da Operações de Voo da TAP. O Comissário era o C/B Duarte André.
Imagem meramente ilustrativa |
Umas 5 horas depois... com cerca de 8 horas totais de escala no Aeroporto de Luanda, lá conseguimos descolar.
440 pessoas a bordo.
À saída de Luanda a tripulação já levava, talvez,17 horas de trabalho. Naquelas condições.
O voo decorreu sem mais incidente algum.
Aterrámos em Lisboa ao fim de 26 longas, atribuladas e inacreditáveis horas de trabalho, seguido.
Alguns de nós com a consciência tranquila.
Muito tranquila...
Alguns de nós com a consciência tranquila.
Muito tranquila...
E para os nossos passageiros de Nova Lisboa, de retorno à Pátria, como aconteceu a tantos outros, foram estas as melhores condições que se lhe ofereceram:
"Retornados" no Aeroporto de Lisboa, 1975
Quanto a mim, quando cheguei a casa, sentei-me na sala, exausto, contei a história e desatei a chorar. Descontrolado.
Muito provavelmente de cansaço. E outras coisas…
Depois de 26 horas de trabalho contínuo.
Um total de 15h40 de voo.
Sendo 9h30 de voo nocturno, durante duas noites consecutivas.
Duas escalas em Luanda com um total de cerca de 10 horas no chão
Sempre em serviço, embora com tripulação reforçada.
Fizémos 4 aterragens.
O voo foi efectuado no Boeing B 747 matriculado CS-TJB.
Diários de Navegação nºs 9/31 a 9/34.
Junta Governativa de Angola.
Da esquerda para a direita: Capião de Mar e Guerra
Leonel Cardoso, Brigadeiro Altino de Magalhães, Almirante Rosa Coutinho,
Cororel Pil. Av. Silva Cardoso e Major Emílio Silva .
(foto a Vertigem da Descolonização, General Gonçalves Ribeiro)MPLA - FNLA - UNITA
"Logo após ter iniciado o exercício das novas funções, uma das primeiras medidas que tomei foi determinar ao SIM (Serviço de Informação Militar), onde uma boa parte dos elementos da antiga DGS/PIDE se tinha integrado por ordem da Junta de Salvação Nacional, que pretendia informações detalhadas sobre atitudes inconvenientes que ocorressem em qualquer parte do território de Angola, levadas a efeito por elementos afectos aos movimentos de libertação.
Passei assim a dispor de um relatório semanal onde constavam as prepotências e actos de violência cometidos um pouco por toda a parte. E curioso notar, à semelhança do que ocorria em Luanda, também pelo restante território, o movimento que mais infracções cometia, superando mesmo os outros dois juntos, era o MPLA".
"Considerando que em 25 de Abril este movimento era o que se encontrava em situação mais difícil, o rápido incremento da sua capacidade de intervenção deveu-se essencialmente aos seguintes factores: à determinação, desde a primeira hora, de alguns responsáveis políticos nacionais e elementos do MFA, reabilitar o MPLA, à adesão às FAPLA dos militares africanos do nosso Exército que iam sendo desmobilizados e ao apoio dado por toda a estrutura do MFA em Angola incluindo a CCPA, (Comissão Coordenadora do Programa de Angola) onde a partir dos primeiros dias de Fevereiro foi notória a presença das principais figuras do MPLA em consecutivas reuniões.
Estas atitudes, muitas delas conduzidas dentro do palácio, provocaram uma reacção natural dos outros movimentos, afirmando que o MFA continuava a dar apoio e protecção ao MPLA como no tempo do Rosa Coutinho e, agora, mais abertamente. Fui obrigado a intervir e tive conhecimento de que, embora esporadicamente, os outros dois movimentos também foram convidados a reunir-se na CCPA para discutir problemas do processo de descolonização.
Mas enquanto a presença de elementos da FNLA ou da UNITA era objecto dum convite expresso, os elementos do MPLA limitavam-se a aparecer e a ficar por ali como se fizessem parte da própria CCPA. Esta foi uma das questões que mais contribuiu para a cisão entre este órgão e o Alto-Comissário". "Na tomada de posse do Governo de Transição, estranhei não ter visto Iko Carreira que era um dos meus interlocutores favoritos no MPLA.
Muito discretamente indaguei o porquê deste ausência, tendo sido informado que, logo após a cimeira do Algarve, tinha seguido para Moscovo a fim de escolher e seleccionar armamento para as FAPLA. Fiquei triste, primeiro porque se tinha acabado de assinar um acordo de paz, depois porque este acto era mais um sinal claro e evidente do futuro que esperava Angola.
Passados uns dias encontrava-me no aeroporto aguardando a chegada do avião de Moçambique onde viajava o almirante Vítor Crespo, Alto-Comissário daquele Estado, para lhe apresentar cumprimentos e trocar impressões sobre a situação naquele território.
Durante aquele período de espera, aproximou-se o Major Moreira Dias, comandante da Polícia Militar, informando que tinha aterrado um avião Dakota proveniente de Cabinda e que o pessoal do MPLA não deixava proceder à inspecção da carga, como estava determinado. Contactado um dos responsáveis do movimento, Hermínio Escórcio, garantiu que o avião só transportava fardamento e medicamentos. Apenas lhe disse que ordens são ordens e voltando-me para o Moreira Dias: «Mande proceder à inspecção da carga do avião.»
Afinal as fardas e aspirinas haviam-se transformado em armas pesadas, como canhões sem recuo, morteiros, bazucas, entre outras. O avião foi de imediato selado, tendo o armamento seguido no dia seguinte para o batalhão de Caçadores Pára-quedistas onde ficou sob a sua custódia". "Regressei a Luanda pilotando o B-26 que também já tinha o seu destino marcado: a sucata. Não sei se ainda haveria outros B-26 em outras partes do mundo. Tinha dúvidas.
Mas este episódio não foi mais que um parêntese, um momento de descontracção, no dia-a-dia da vida dum Alto-Comissário que procurava, remar contra a maré, salvar alguma coisa daquela terra, se ainda era possível salvar fosse o que fosse".
"Entretanto fui informado de que, na sequência da viagem do Iko Carreira a Moscovo, cargueiros soviéticos tinham chegado ao porto de Ponta Negra no Congo-Brazzaville onde descarregavam grandes quantidades de material de guerra destinado ao MPLA.
Este material tinha começado a entrar em Angola muito especialmente por via marítima e desembarcado nas praias desertas da imensa costa angolana, tanto a norte como a sul de Luanda. Impedir estes desembarques, de que os outros movimentos tinham conhecimento e conduziam a um clima de maior tensão, era uma missão praticamente impossível por exigir um esforço de patrulhamento com meios aéreos e navais que ultrapassavam em larga escala as nossas disponibilidades.
Assim o material de guerra ia entrando, dotando os novos efectivos do MPLA com um potencial de combate que eles nunca tinham tido durante toda a guerra isto conduziu a uma superioridade em relação aos outros movimentos que provocaram reacções mais ou menos violentas, matando à nascença toda e qualquer tentativa de cooperação.
Mas não é só armamento que chega do Leste, pois segundo o Cônsul norte-americano, que me pedira o máximo de sigilo, também alguns conselheiros, especialmente da RDA (Alemanha do Leste) tinham entrado em Angola para fazer «turismo» e que, a curto/médio prazo, estariam previstas outras ajudas significativas quer em material quer em pessoal.
Naturalmente procurei saber se eles próprios, norte-americanos, estavam a reagir a este assalto".
"É curioso e oportuno recordar que, uns anos mais tarde, nas funções de comandante-chefe nos Açores em 1983, me encontrei com um general norte americano e ao falar-se de África e inevitavelmente de Angola, confidenciou-me que nos princípios de 1975 pilotara um C-130 várias vezes para Kinshasa integrado numa espécie de ponte aérea.
Aterravam durante a noite e paravam ao fundo da pista, apagando as luzes. Entretanto aproximavam-se viaturas pesadas de carga para as quais era transferido o material que transportavam enquanto um autotanque procedia ao reabastecimento do avião. Terminada a operação, voltavam a alinhar na pista e descolavam.
Frisou que tinha sido uma autêntica ponte aérea para Kinshasa com muitas toneladas de armamento.
Não revelou qual o ponto de partida, admitindo que tivesse sido na Libéria.
Na sua opinião este material só poderia ter um destino: FNLA através de Mobutu.
Não havia dúvidas, as movimentações diplomáticas com a mudança de Cônsul em Luanda e de Embaixador cm Lisboa e este apoio logístico só poderia ter um significado: tentar evitar que a URSS estendesse a sua influência a Angola.
E os dois «jogadores», através dos seus tentáculos, estavam novamente em plena actividade para conseguirem o controlo daquela importantíssima parcela do território africano".
"A cimeira de Nakuru iria decorrer depois de o MPLA ter executado no terreno a primeira parte do plano para ficar «rei e senhor» de Luanda até ao dia marcado para a independência. Apesar da vantagem adquirida e da situação favorável de que desfruta, o MPLA aceita participar na cimeira sendo o único movimento a pretender que Portugal estivesse presente pois não deveria ser marginalizada em tudo o que pudesse estar relacionado com a descolonização, até à transferência do poder. Mas isto é mais complexo e tem as suas razões.
Sem dúvida que a UNITA, militarmente muito fraca por falta de armas, tem todo o interesse em resolver os problemas que estão afectar o processo da descolonização através do diálogo e dos compromissos de ordem política; a FNLA começa a reconhecer a sua fragilidade por falta de estruturas de base em todos os campos, o que a leva à dependência cm relação ao Zaire para manter o esforço militar contra o MPLA.
A grande maioria dos combatentes do ELNA só falava francês.
Ou são mesmo zairenses, ou angolanos que se refugiaram naquele país ainda muito jovens e que naquele momento estavam a ser recrutados para as forças militares da FNLA. Esses elementos, após terem recebido instrução em Kinkusu, ministrada por chineses, são atirados para a «fogueira» sem qualquer motivação".
"Entretanto, face à ligação do MPLA às estruturas do MFA, a presença portuguesa poderia conduzir a uma posição ainda mais reforçada do MPLA.
Para além das frequentes acusações da cooperação das FAP com as FAPLA, o que não deixa de ser verdade em casos isolados, por vezes difíceis de discernir, a realidade era que as acusações da FNLA não cessavam; a ligação da CPPA e estruturas do MFA, em Angola, com os dirigentes do MPLA, era claramente evidente. Pessoalmente, não tinha quaisquer dúvidas: as visitas de Agostinho Neto e outras figuras destacadas do movimento a Lisboa e os contactos que mantinham com entidades oficiais eram mais uma prova do posicionamento nacional em relação aos movimentos; a cópia da carta onde o Bureau Político do MPLA pedia ao Alto-Comissário a prisão e expulsão dos ex-elementos da PIDE/DGS, enviada directamente para o Conselho da Revolução, era mais um testemunho do apoio que o Governo português concedia a este movimento.
Por estas e outras razões, nem a UN1TA, nem FNLA pretendiam a presença portuguesa em Nakuru onde até poderiam introduzir alterações ao Acordo do Alvor com reflexos nas responsabilidades de Portugal, em todo o processo. As autoridades nacionais não revelavam qualquer interesse em participarem, na medida em que sabiam que de Nakuru iria sair só mais um «papel» que a FNLA e principalmente o MPLA iriam de imediato ignorar ou meter na gaveta". "Entretanto as relações entre o Alto-Comissário e a CCPA agravaram-se rapidamente pois quebrara-se a confiança que entre ambas as entidades deveria existir. Em vez daquela coesão e unidade que se deveria verificar entre todos os órgãos da representação portuguesa cm Angola, o MFA constituía a nota dissonante em todo o processo, com a agravante de se considerar o «dono do poder» nacional no território e, como tal, a entidade que pretendia definir as linhas da nossa actuação em face do evoluir da situação.
Um dia, em meados de Junho, o Zé Valente telefonou-me e pediu para eu convocar de imediato o Leonel e o Macedo, pois tinha uma comunicação muito urgente".
"Praticamente todas as questões acordadas já tinham sido objecto de decisões anteriores e que não foram minimamente respeitadas quer pela FNLA quer pelo MPLA.
Ressaltam no entanto dois pontos que merecem uma maior atenção. Pela primeira vez é abordada a necessidade da existência das Forças Armadas de Angola, em especial, do Exército angolano.
Esta tinha sido uma das minhas primeiras preocupações logo após ter assumido as funções de membro da Junta Governativa cm Julho de 1974, procurando formar uma companhia de pára-quedistas não partidária e que pudesse vir a constituir o embrião do futuro exército de Angola. Chegou-se até à cerimónia da imposição das boinas aos vinte e oito elementos que iriam constituir os quadros dessa companhia.
Mas depressa a maioria desta gente, aliciada pelo MPLA com o apoio do MFA, desertou e foi integrar-se nas FAPLA. Assim morria uma tentativa de criar um instrumento da maior importância para a fase de transição que estávamos a viver, evitando-se a existência de três «exércitos» partidários em vez de um único, nacional".
"Recordo as longas discussões durante os primeiros encontros com Savimbi nas matas do Leste sobre as forças militares dos Praticamente todas as questões acordadas já tinham sido objecto de decisões anteriores e que não foram minimamente respeitadas quer pela FNLA quer pelo MPLA. Ressaltam no entanto dois pontos que merecem uma maior atenção. Pela primeira vez é abordada a necessidade da existência das Forças Armadas de Angola, em especial, do Exército angolano. Esta tinha sido uma das minhas primeiras preocupações logo após ter assumido as funções de membro da Junta Goovernativa cm Julho de 1974, procurando formar uma companhia de pára-quedistas não partidária e que pudesse vir a constituir o embrião do futuro exército de Angola.
Chegou-se até à cerimónia da imposição das boinas aos vinte e oito elementos que iriam constituir os quadros dessa companhia. Mas depressa a maioria desta gente, aliciada pelo MPLA com o apoio do MFA, desertou e foi integrar-se nas FAPLA. Assim morria uma tentativa de criar um instrumento da maior importância para a fase de transição que estávamos a viver, evitando-se a existência de três «exércitos» partidários em vez de um único, nacional.
Recordo as longas discussões durante os primeiros encontros com Savimbi nas matas do Leste sobre as forças militares dos movimentos durante as quais defendi a abolição total das armas dos movimentos que deveriam limitar a luta ao nível político-ideológico".
"Fui mal-sucedido certamente porque o Presidente da UNITA não ignorava que os seus rivais se preparavam para a tomada do poder pela força apoiados do exterior.
Posteriormente, quando consegui reunir os cabeças das delegações dos três movimentos presentes em Luanda no Comando da 2." Região Aérea, os pontos discutidos envolviam a futura polícia de Angola, posteriormente designada como Corpo de Polícia de Angola c um serviço de informações devidamente estruturado. Tudo morreu no papel porque a concretização destes instrumentos iria interferir com os planos dos dois principais movimentos com estratégias impostas do exterior e que nada tinham a ver com os interesses do povo angolano. Ao tomar conhecimento das conclusões do acordo de Nakuru pensei como tudo teria sido diferente se as iniciativas que tomei em tempo tivessem sido concretizadas. Se em vez de três «exércitos» e dum embrião de Polícia sem autoridade e objecto de saques e prepotências de toda a ordem por todos os movimentos, Angola dispusesse de um único exército verdadeiramente angolano e totalmente apartidário, dum Corpo de Polícia organizada e prestigiada e dum serviço de informações bem estruturado e isento que permitisse conhecer, em cada momento, a situação real do país.
Estes tinham sido os meus sonhos que infelizmente para Angola c para os angolanos não passaram de sonhos. Para isto era necessário tempo e vontade política de todas as partes envolvidas, mas o MFA, Mário Soares e outras figuras políticas surgidas durante a revolução acharam que era urgente encontrar uma solução para a «vergonhosa» guerra colonial.
E naquela altura começava a desenhar-se uma das maiores tragédias para aqueles povos porque a guerra fria entre as grandes potências passaria a quente quer em Portugal quer em Angola, não passando todos nós de simples instrumentos da política dos outros com a criminosa colaboração de algumas figuras que, espero, a história um dia não deixará de julgar".
"Mas finda a cimeira, que não passou de mais uma manobra para enganar uma parte do mundo e muito especialmente o povo angolano, em vez de se cumprirem as questões acordadas, verificava-se: • a entrada de reforços para o MPLA com a chegada a Luanda de elevado número de efectivos e para a FNLA pela fronteira norte onde não encontrava qualquer oposição e por Teixeira de Sousa onde esbarrara com as forças das FAPLA originando conflitos de certa gravidade;
• mais dois cargueiros soviéticos atracaram em Ponta Negra transportando material pesado para o MPLA;
• a situação hospitalar deteriorava-se em cada dia que passava, principalmente em Luanda onde os hospitais de S. Paulo e Universitário continuavam encerrados e o hospital de Maria Pia atingia o ponto de saturação, mas igualmente os de Cabinda e Carmona estavam em riscos de encerrar com consequências gravíssimas para o apoio sanitário daquelas áreas;
• o número de desalojados e deslocados aumentava sem cessar, não se dispondo de quaisquer estruturas para a sua assistência sendo tudo improvisado;
• as atitudes inconvenientes dos movimentos não pararam, dando origem a uma cada vez maior instabilidade e insegurança por todo a parte;
• o êxodo da população europeia continuava, tendo as inscrições em meados de Junho subido para um total estimado em 47. 000 famílias compreendendo um número de pessoas superior a 140 000". "Este era o panorama que se verificava na sequência do acordo de Nakuru que, como todos os restantes, tudo fazia prever que se caminhava rapidamente para uma situação de total rotura, onde o respeito pelos direitos e vidas dos cidadãos seriam totalmente ignorados.
Imperava a lei da serva em que só as armas tinham voz e em que os únicos vencidos seriam as populações.
Mas toda esta situação não impediu que uma comissão mista composta por elementos do Ministério do Interior e da justiça, oficiais dos Estados-Maiores do ELNA; FAPLA e FALA e por membros do Comando Unificado da Polícia, se reunissem para estudar as medidas para darem início ao cumprimento do acordo de Nakuru, tendo deliberado:
• Libertação imediata e incondicional de todos os detidos pelos ML. No dia seguinte a situação agravou-se e o incêndio avançou até ao interior. A população branca estava positivamente em pânico e só queria fugir tosse para onde fosse. Organizaram-se colunas de viaturas com rumo ao Sul.
Não tinham tempo a perder. Os pretos afectos à FNLA tinham invadido a cidade do asfalto e estavam concentrados por todo o lado, muito especialmente, em frente ao palácio e junto ao Comando Naval. Uma mãe com o cadáver do filho nos braços pretendeu entregá-lo ao Alto-Comissário, tendo sido impedida pelos pára-quedistas. Por detrás duma das janelas ainda presenciei uma dessas cenas completamente derrotado e vencido pela comoção. Não era fácil olhar aquele mar de gente em desespero e nada poder fazer.
Contactei o Leonel e disse-lhe, para com os navios de guerra disponíveis, começar a transportar aquela gente, vítima da traição que sobre o povo angolano caíra, para Sazaire onde dominava a FNLA.
Assim se fez. Mas não era o suficiente porque o «incêndio» era, naquela altura, perfeitamente incontrolável e novos «focos» surgiam por toda a parte".
"Foi com este panorama que um sábado, pela manhã, entro no gabinete e passo em revista os papéis que o Gonçalves Ribeiro tinha colocado sobre a secretária. Naturalmente e, em primeiro lugar, peguei no relatório semanal dos SIM onde estavam descriminadas as atitudes inconvenientes da responsabilidade dos ML.
A violência recrusdecera por toda a parte, tinham aparecido corpos de pessoas há muito desaparecidas, mais saques, mais violações, mais gente raptada, todo um rol de atrocidades que continuavam a passar impunes visto a ordem e a segurança terem sido praticamente banidas de todo o território. Era o salve-se quem puder! Fui depois informado que várias pessoas, cada uma com o seu problema e qual deles o mais grave, pretendiam falar comigo.
O Gonçalves Ribeiro, como normalmente, lá as conseguiu despachar com as mesmas promessas de sempre: «vamos fazer tudo o que for possível...»
Através da janela podia ver os deslocados, os fugitivos, os perseguidos, os inconformados que vagueavam em frente do palácio, talvez por se sentirem ali mais seguros ou ainda esperarem uma qualquer solução para os seus problemas".
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40 ANOS 25 DE ABRIL E DE INDEPENDÊNCIA
Cronologia 1974-2002: Das independências ao fim da guerra em Moçambique e Angola
Depois da Revolução dos Cravos, sucedem-se as independências das colónias portuguesas. Logo em 1975, os movimentos angolanos iniciam um conflito armado pelo controlo do país. A guerra civil dura até o ano de 2002.
Cerimónia realizada em Madina de Boé após o reconhecimento por Portugal da independência da Guiné-Bissau
10 de setembro de 1974
Independência da Guiné-Bissau
O acordo de Portugal com o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) sobre a independência da Guiné-Bissau é ratificado no dia 10 de setembro de 1974. A Guiné-Bissau passa a ser a primeira colónia portuguesa em África que conquistou a independência. Os portugueses começam então a abandonar a capital, Bissau. Após a independência, e até 1980, a Guiné-Bissau e Cabo Verde passam a ser dirigidos por um único partido, o PAIGC.
28 de setembro de 1974
Tentativa de golpe
A 28 de setembro, o Movimento das Forças Armadas (MFA) proíbe uma manifestação de apoio ao Presidente António de Spínola. A tentativa de golpe de Estado levada a cabo por forças próximas ao general Spínola e a rejeição da política do MFA não dá frutos. Barricadas de populares cortam os acessos a Lisboa. Na sequência do golpe falhado, Spínola apresenta a sua demissão. O seu sucessor é Francisco da Costa Gomes, membro da Junta de Salvação Nacional e chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas desde o 25 de abril de 1974. A influência comunista cresce cada vez mais no país.
Janeiro de 1975
Acordo de Alvor
Decorre de 10 a 15 de janeiro no Alvor, Algarve, uma cimeira para debater a independência de Angola. O Acordo de Alvor é assinado no dia 15 de janeiro entre o Governo português e os três principais movimentos de libertação angolanos: Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e estabelece os parâmetros para a partilha do poder na antiga colónia. O dia 11 de novembro é estabelecido como a data da independência do país. No entanto, pouco depois da assinatura do documento, os movimentos iniciam um conflito armado pelo controlo do país. Começava, assim, a guerra civil em Angola.
Delegados portugueses e angolanos presentes nos encontros de Alvor: Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal (segundo da esq.), Jonas Savimbi da UNITA (terceiro da esq.), Holden Roberto da FNLA (quarto da esq.), Costa Gomes, Presidente de Portugal (terceiro da dir.) e Agostinho Neto do MPLA (segundo da dir.)
25 de abril de 1975
Primeiras eleições livres em Portugal após 50 anos
Um ano depois da Revolução dos Cravos, realizam-se eleições para a Assembleia Constituinte. São as primeiras eleições livres com sufrágio universal realizadas nos últimos 50 anos em Portugal. O grande vencedor foi o Partido Socialista (PS), que conquistou quase 38% dos votos (116 assentos), seguido do Partido Popular Democrático (PPD, que mais tarde passaria a designar-se Partido Social Democrata, PSD) com pouco mais de 26% dos votos (81 assentos) e do Partido Comunista Português (PCP), que conseguiu perto de 12,5% dos votos (30 assentos). No mês seguinte, os conflitos entre o PS e o PCP agravam-se e a extrema-esquerda ocupa a Rádio Renascença, emissora católica portuguesa.
Mesas de voto em Lisboa. As eleições para a Assembleia Constituinte tiveram lugar a 25 de abril 1975
25 de junho de 1975
Independência de Moçambique
Moçambique torna-se independente de Portugal em 25 de junho de 1975, depois de mais de uma década de guerra de libertação. A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) forma o primeiro Governo, dirigido por Samora Machel, o primeiro Presidente do país. O novo Executivo leva a cabo uma série de medidas para restituir ao povo moçambicano os direitos que lhe tinham sido negados pelos portugueses durante a época colonial. São também criadas várias empresas estatais. Em Angola, a guerra aumenta de intensidade e faz crescer o fluxo de “retornados”, nome dado aos residentes nas antigas colónias que voltaram para Portugal. Nas antigas colónias estavam radicados cerca de 600 mil portugueses.
À meia-noite do dia 25 de junho de 1975, soldados da FRELIMO hastearam a nova bandeira nacional na então capital Lourenço Marques (atual Maputo)
Julho de 1975
“Verão Quente” em Portugal
Em Portugal assiste-se a um processo de contestação ao Governo e a uma disputa aguerrida pelo poder político-militar. Assaltos e ataques bombistas contra sedes dos partidos marxistas-leninistas marcam os meses de julho e agosto. A crise governamental levou à queda do Executivo e, posteriormente, à demissão do primeiro-ministro Vasco Gonçalves. Este período de tensão em Portugal ficou conhecido como “Verão Quente” e culminou com as movimentações militares de 25 de novembro. O país esteve à beira de uma guerra civil.
5 de julho de 1975
Independência de Cabo Verde
A independência de Cabo Verde é proclamada no dia 5 de julho de 1975. O primeiro Presidente da República do país é Aristides Pereira, que juntamente com Amílcar Cabral fundou o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
12 de julho de 1975
Independência de São Tomé e Príncipe
Uma semana depois da independência de Cabo Verde, a 12 de julho, também São Tomé e Príncipe se torna independente. Manuel Pinto da Costa, que desempenhou um papel importante na luta pela independência do regime colonial português, assume a presidência do país.
Manuel Pinto da Costa foi o primeiro Presidente de São Tomé e Príncipe entre 1975 e 1991. Vinte anos mais tarde, em 2011 (foto), vence as eleições e volta à presidência
11 de novembro de 1975
Independência de Angola
No dia 11, em Luanda, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) proclama a independência da República Popular de Angola. Agostinho Neto assume a presidência do país. Portugal reconhece o Governo do MPLA. Em Nova Lisboa (atual Huambo), a FNLA e a UNITA também proclamam a República Democrática de Angola, que a comunidade internacional nunca virá a reconhecer. Continua a guerra civil angolana: UNITA e FNLA lutam com o apoio da África do Sul contra o Governo do MPLA, que tem o apoio de soldados cubanos. É uma das guerras mais sangrentas durante o período da Guerra Fria, que ficou marcado pelo conflito entre os EUA e os seus aliados ocidentais, que apoiaram a UNITA e FNLA, e a União Soviética e os seu aliados orientais, que apoiaram o MPLA. Devido às riquezas naturais e potencialidades económicas de Angola, o processo de descolonização deste território foi o mais longo entre todas as colónias portuguesas.
28 de novembro de 1975
FRETILIN proclama independência de Timor
A Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN) proclama a independência do território em 28 de novembro de 1975. Três dias depois, o território, que tinha sido a mais esquecida das colónias portuguesas, é invadido pela Indonésia. O Governo indonésia temia um país vizinho comunista, já que a FRETILIN era de inspiração marxista. Depois do golpe militar no ano de 1965, o regime do General Suharto já tinha massacrado entre 500 mil e dois milhões indonésios para eliminar fisicamente os movimentos comunistas e democratas. A seguir à invasão indonésia em 1975, a FRETILIN refugia-se então nas montanhas, onde continua a resistência armada, enquanto as tropas portuguesas se refugiam na ilha de Ataúro. Em 1976, o governo de Jacarta anuncia que Timor-Leste será integrado na Indonésia. “Timor Timur” passa a ser a sua 27ª província. Timor foi considerado pela ONU como território português até 1999. Nesse ano, a maioria dos timorenses votou pela independência da Indonésia no referendo realizado por Jacarta. Como retaliação do resultado, forças de oposição à independência e grupos paramilitares ligados ao Governo de Jakarta espalharam a violência e a morte pela região. De 1974 a 1999 morreram pelo menos 102 mil pessoas por causa da ocupação pela Indonésia. Timor-Leste só se tornaria um país independente em 20 de maio de 2002.
1976
Guerra civil em Moçambique
Começa a guerra civil entre a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que se prolongaria até 1992. Além de paralisar o país em termos económicos e sociais, o conflito de 16 anos provocou a morte um milhão de pessoas e fez mais de três milhões de refugiados. Durante o conflito, travado em plena Guerra Fria, a FRELIMO é apoiada pela União Soviética, enquanto a RENAMO conta com a ajuda do regime branco da Rodésia e, a partir de 1980, também da África do Sul.
Soldados zimbabueanos a patrulhar a linha ferroviária do Corredor da Beira durante a guerra civil (foto de 1987)
1992
Fim da guerra civil em Moçambique
Com a mediação da Comunidade de Sant’Egídio, organização religiosa fundada em Itália, a 4 de outubro é assinado, em Roma, Itália, o Acordo Geral de Paz entre o Governo moçambicano e a RENAMO, pondo fim a 16 anos de guerra civil. O conflito deixou mais de um milhão de mortos e transformou país num dos mais pobres do mundo. Em 1990 já tinha sido aprovada a revisão da Constituição que introduzia o sistema multipartidário em Moçambique. A FRELIMO punha de parte a ideologia marxista-leninista.
Joaquim Chissano (FRELIMO, à esq.) e Afonso Dhlakama (RENAMO, à dir.) apertaram as mãos em Roma no dia 4 de outubro de 1992
2002
Fim da guerra civil em Angola
No dia 4 de abril de 2002 a paz chegou a Angola com a assinatura do acordo de Luanda entre o governo do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) MPLA e a União Nacional pela Independência Total de Angola (UNITA). As duas formações políticas com mais influência no país pousaram as armas, pondo, assim, fim a 27 anos de uma guerra civil que causou pelo menos 500 mil mortos e mais de dois milhões de refugiados. A seguir à paz, Angola viveu um "boom" económico graças ao petróleo, atingindo um crescimento de mais de 20 % em 2005 e em 2007. Mas apesar deste crescimento, muitos angolanos continuam até hoje a viver na pobreza.
General Armando da Cruz Neto (à esq.) das Forças Armadas de Angola e general Abreu Muengo Ukwachitembo "Kamorteiro" da UNITA na assinatura do acordo de paz em Luanda a 4 de abril de 2002
BIBLIOGRAFIA:
Afonso, Aniceto/Gomes, Carlos de Matos, Os Anos da Guerra Colonial - 1961.1975, Lisboa, Quidnovi, 2010.
Cervelló, Josep Sánchez, A Revolução Portuguesa e a sua Influência na Transição Espanhola (1961-1976), Lisboa, Assírio & Alvim, 1993.
Marques, A. H. Oliveira, Breve História de Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 2006.
Rodrigues, António Simões (coordenador), História de Portugal em Datas, Lisboa, Temas e Debates, 2000 (3ª edição).
Agradecimento especial:
Agradecimento especial:
Casa Comum (Fundação Mário Soares)
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