OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA

O sobressalto político de 1958 
 Chegados à beira das urnas, eu vos dirijo as minhas mais puras saudações e vos convido a comparecer nas urnas em que se decidirá do futuro da Nação. 
Apesar dos assaltos e das prisões; apesar da violência e das agressões; apesar de violarem e encerrarem as nossas sedes; apesar das intimidações, dos insultos e prepotências de que, sempre temos sido passivos; apesar da censura e das injustiças; apesar da censura e das injustiças; apesar de se preparar uma burla eleitoral de que somos vítimas, eu - por tudo e por isto mesmo - vos convido a seguir comigo para o nosso destino comum. 
Às urnas, amigos! Lutemos de forma a desmascarar os traidores e os cobardes, aqueles que cometeram e vão cometer ilegalidades constitucionais, aqueles que são inimigos do povo e dos princípios cristãos! Às urnas, cidadãos! 
Lisboa, 2 de junho de 1958 
 Proclamação de Humberto Delgado

 A OPOSIÇÃO AO REGIME A OPOSIÇÃO AO REGIME - 1945 
Nasce o MUD – Movimento de Unidade Democrática, que congrega as forças até aí clandestinas da oposição 
 - Exigências feitas pelo MUD e consideradas fundamentais para participar nas eleições: Adiamento das eleições por seis meses (para se instituírem os partidos políticos) 
 Reformulação dos cadernos eleitorais (só abrangiam 15% da população) 
Liberdade de opinião, de reunião e de informação
 A não satisfação de nenhuma destas exigências leva à desistência do MUD à boca das urnas, por considerar que o ato eleitoral seria uma farsa. 
- Muitos aderentes do MUD foram interrogados, presos ou despedidos do seu trabalho (Salazar tinha obrigado o MUD a entregar as listas dos apoiantes deste movimento) 
 - O clima de Guerra Fria orientou as atenções das democracias ocidentais para a contenção do comunismo, objectivo que o Salazarismo servia em pleno
 - Em 1949, Portugal torna-se membro fundador da NATO, o que significa a aceitação do regime por parte dos parceiros desta organização. - Candidatura às eleições presidenciais de Norton de Matos em 1949 (1ª vez que um candidato da oposição concorria à Presidência da República) 
– desistência devido à severa repressão. Candidato do regime Óscar Carmona. - 1958 
– Candidatura de Humberto Delgado a novas eleições presidenciais desencadeou um autêntico terramoto político - sobressalto político 
 - O “General Sem Medo” anuncia o seu propósito de não desistir das eleições e a sua intenção de demitir Salazar, caso viesse a ser eleito. 
 - A sua campanha foi um acontecimento impar no que respeita à mobilização popular. - O governo acusou-o de provocar “agitação social, desordem e intranquilidade pública”. 
 - O resultado nas eleições deu a maioria ao outro candidato, Américo Tomás. 
 - Estava-se perante uma fraude eleitoral - Humberto Delgado tinha ganho a eleição. 
 - A credibilidade dos resultados e do próprio regime saíram abaladas. - Salazar anulou o sistema de sufrágio direto, passando o Chefe de Estado a ser eleito por um colégio eleitoral restrito 1959-62 
– Aumenta a oposição ao regime: 
 - Bispo do Porto escreve uma dura carta a Salazar em que denuncia as irregularidades da campanha e reivindica liberdades cívicas 
 – exílio do bispo do Porto em Roma. - A instabilidade crescia e a ditadura portuguesa mostrava o seu carácter repressivo. 
 - Má imagem projetada para o estrangeiro – exílio de Humberto Delgado no Brasil.
 - Apresamento do navio português “Santa Maria” 
 – reconhecido pelas potências estrangeiras como um ato de protesto político 
– operação Dulcineia. (Henrique Galvão). - 1961 - Eclosão da Guerra Colonial agravou a oposição ao regime.

Fases da oposição: OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA
 Fases da oposição 
 A oposição pode ser dividida em 3 fases com características diferentes: 
 Primeira fase (1926 até 1943) 
 Oposição fraca, desorganizada e violenta. 
No princípio da ditadura, a oposição era desorganizada, era dominada por conceções anarquistas que privilegiavam a ação violenta, radical e armada. 
 O Partido Comunista Português representou a principal estrutura organizada de oposição à ditadura. 
 Os republicanos democráticos organizaram e comandaram várias revoltas como as de 1927, 1928 e 1931 e tiveram lugar no Porto, Lisboa, Setúbal, Açores, Madeira e Guiné, mas todas elas fracassadas. A revolta de 1934 que foi organizada pelos comunistas e operários que tentaram opôr-se à corporativização dos sindicatos, teve lugar na Marinha Grande, mas esta revolta, como as outras, fracassou. Em 1932, o movimento monárquico católico do Integralismo Lusitano fez a sua demarcação em relação ao Estado Novo e, no ano seguinte, sob a liderança de Rolão Preto e Alberto Monsaraz (ex-membros da Junta Central do Integralismo Lusitano, entretanto dissolvida para integrar a Causa Monárquica), suspenderam a reivindicação monárquica, e resolveram organizar o Movimento Nacional-Sindicalista para dar combate à institucionalização da "Salazarquia". Perante a enorme mobilização conseguida em torno daquele movimento, Oliveira Salazar proibiu-o em 1934, mandando prender e colocar os seus chefes na fronteira com Espanha. Em 1935, os nacionais-sindicalistas, vieram ainda a Portugal tentar uma revolta ("tentativa de revolta do navio Bartolomeu Dias e do destacamento militar do Quartel da Penha de França") para derrubar o Estado Novo, mas esta fracassou. 
Rolão Preto e Alberto Monsaraz foram forçados a sair uma vez mais para o exílio em Espanha. 
 Em 1938, um grupo de anarco-sindicalistas tentaram assassinar Salazar, o "Chefe", quando ele se dirigia para a missa, mas ele conseguiu escapar ileso. 
 Segunda fase (1943 até aos princípios da década de 60) 
 Oposição mais organizada e “pacífica” e a participação destes nas eleições presidenciais de 1949, 1951 e 1958. 
 Naquela época, a oposição continuava a ser pequena, incluindo sobretudo os intelectuais, os comunistas, os profissionais liberais e os democratas (uma pequena porção de população). 
 Em 1943, nasceu o Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF).
 Era uma organização política clandestina e pretendia agrupar e reorganizar a oposição (desorganizada naquele tempo). 
Conseguiu agrupar muitos opositores democráticos, como Mário Soares.
 Em 1945, com a derrota das grandes ditaduras (alinhados no Eixo), Salazar foi forçado a fazer algumas mudanças "democráticas", nomeadamente a instituição de eleições, para dar uma boa imagem às democracias capitalistas ocidentais. 
 Para preparar a oposição para as eleições (tanto presidenciais como legislativas), o MUNAF foi substituído pelo Movimento de Unidade Democrática (MUD), em 1945.
 Era uma organização política autorizada por Salazar e pretendia proporcionar um debate público em torno da questão eleitoral. 
 Mas, a oposição nunca conseguia ganhar as eleições porque estas são manipuladas secretamente pelo Governo. Este movimento democrático rapidamente recebeu grande apoio popular e conseguiu agrupar muitos opositores ao Estado Novo, principalmente intelectuais e profissionais liberais, por isso a MUD foi dissolvido pelo regime em Janeiro de 1948. 
 Muitos dos antigos membros da MUD continuaram a opôr-se ao regime e integraram-se na comissão de apoio à candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República, em Abril de 1948. Muitos opositores foram perseguidos e obrigados à clandestinidade e ao exílio. 
 O único partido político organizado e eficiente naquela época era o Partido Comunista Português (fundado em 1921), que foi um dos protagonistas da oposição ao Estado Novo. Salazar considerava-o uma grande ameaça. Os opositores participaram nas eleições presidenciais de 1949 (Norton de Matos), de 1951 (Quintão Meireles) e de 1958 (Humberto Delgado) defendendo a democratização. 
 As eleições de 1958 conseguiram abalar o poder do Estado Novo e deram força e esperança à oposição, mesmo que o candidato opositor (Humberto Delgado) perdesse. 
 O General Delgado conseguiu reunir em torno dele toda a oposição democrática e teve grande apoio popular. Após desta eleição, o Governo, para não haver mais surpresas, mudou o ato eleitoral. 
 Em vez de eleger o Presidente da República por sufrágio direto, o Governo criou um colégio eleitoral (compostos pelos partidários da União Nacional) para elegê-lo (assim não haverá mais eleições presidenciais). 
 Um dos mais célebres actos que a oposição fez no estrangeiro foi a captura do paquete “Santa Maria” (1961) por Henrique Galvão, amigo e aliado de Delgado. 
 Este acto despertou a atenção do Mundo.
 Este paquete pertencia à Companhia Colonial da Navegação, uma das jóias da marinha mercante portuguesa. 
 Mas, existiam vários sectores da sociedade, como as forças armadas, a burguesia (especialmente a alta burguesia) e o clero católico, que apoiavam o regime salazarista. 
Com o início da guerra colonial, em 1961, a oposição alargou-se cada vez mais devido ao descontentamento do povo à guerra e iniciou uma contestação sem tréguas ao regime, o que precipitou a queda deste. 
 Apesar das inúmeras contestações da oposição, o sentimento oficial do Estado português, contudo, mantinha-se: o Estado Novo recusa a democratização e a libertação das colónias e era isso que era transmitido pelos meios de comunicação e pela propaganda estatal. 
 A partir da década de 60, os estudantes universitários começaram a opôr-se ao regime e um dos principais conflitos foi a Crise académica de 1962. 
 Esta crise teve início em Fevereiro de 1962, quando o Governo proibiu as comemorações do Dia do Estudante. Um grande número de estudantes da Universidade de Lisboa reagiu ocupando a cantina universitária, vindo a ser reprimido pelas forças policiais.
 Perante a recusa definitiva do Governo em autorizar as celebrações do Dia do Estudante, e ainda como forma de protesto contra a violência da polícia, as Academias de Lisboa e de Coimbra decretaram conjuntamente o luto académico. 
 Colocados perante a violência e a recusa do diálogo do regime e na impossibilidade de assegurarem a coordenação do movimento em conjunto com os outros que os apoiam, nomeadamente a oposição democrática, os estudantes acabaram por desistir da contestação, acabando o regime por retomar o controlo da situação no final do ano.
 De qualquer forma, esta longa crise assinalou o despertar para a atividade política de uma geração que, nos anos seguintes, mostraria ser um dos sectores mais vivos da resistência ao Estado Novo. 
 Em 1962, um grupo de oficiais liberais, dirigido pelo General Botelho Moniz (Ministro de Defesa), lançou um tentativa de golpe de Estado (chamada depois de Golpe Botelho Moniz). 
 Este golpe de Estado, destinado a afastar Salazar, fracassou devido às falhas de organização dos implicados e à denúncia do golpe por oficiais de extrema-direita (apoiantes do regime), como por exemplo o general Kaúlza de Arriaga e o almirante Américo Tomás.
 A silenciada e semiadormecida opinião pública portuguesa não teve conhecimento de nada do que se passara, tendo apenas sido surpreendida com uma remodelação ministerial e a demissão de vários altos chefes militares posteriormente ditada por Salazar.
 Terceira fase (finais da década de 60 até à queda do regime) 
 A oposição radicaliza-se e torna-se forte, favorecendo os actos terroristas, radicais e mais violentos. O regime, sofrendo muitas dificuldades económico-financeiras e pressão internacional, era também atacado fortemente pela oposição. 
 O MFA surgiu na década de 70. 
Nem com o afastamento de Salazar do poder, em 1968, fez com que o panorama político se alterasse. As eleições legislativas de 1969 fez eleger um grupo de 30 jovens deputados liberais denominado Ala Liberal e que vieram dar uma lufada de ar fresco na luta pela liberdade.
 Estes deputados apresentaram vários projetos liberais para acelerar a renovação do regime que Marcelo Caetano (o substituto de Salazar) prometera, mas foram todos derrotados pelos sectores políticos mais conservadores (partidários da União Nacional), apoiantes do regime autoritário.
 Após sucessivas desilusões e à impossibilidade de exercer livremente os seus direitos, a Ala Liberal acabou por abandonar a Assembleia Nacional.
 Os esforços dos liberais contribuíram para o descrédito da política marcelista de renovação contínua junto de largos sectores das classes médias portuguesas. 
 Só nos finais da década de 60 é que se começou a verificar uma radicalização da atitude política, nomeadamente entre as camadas mais jovens, que mais se sentiam vitimadas pela continuação da guerra. 
  As universidades desempenharam um papel fundamental na difusão deste posicionamento. É neste ambiente que a Acção Revolucionária Armada (ARA), apoiada e criada pelo PCP, e as Brigadas Revolucionárias (BR) se revelaram como uma importante forma de resistência contra o sistema colonial português, praticando ações armadas, não terroristas, principalmente contra a logística da guerra colonial. 
  Na década de 70, os sectores da finança e negócios, classes médias e movimentos operários alinharam-se à oposição devido às dificuldades económicas vividas no país causadas pela guerra e pela crise mundial de 1973 e foram muito importantes na contestação à política do regime. 
  O regime já tinha os seus dias contados porque quase todos os sectores da sociedade já não o apoiam, até mesmo as forças armadas e alguns membros do clero. 
  Crescia o descontentamento e a angústia nas Forças Armadas Portuguesas (a grande base de apoio do regime), especialmente a partir de década de 70, porque eles perceberam que a guerra colonial estava longe de acabar e que eles não iriam conseguir ganhá-la. 
 A recusa do governo em aceitar uma solução política para a guerra levou a que os oficiais percebessem que o fim do conflito passava pelo derrube da ditadura.
  Os oficiais intermédios do exército, principalmente os capitães, sabendo que tinham o apoio dos seus chefes superiores, organizaram-se num movimento clandestino, o Movimento das Forças Armadas (MFA) que tinha como principais objetivos democratizar o país e acabar a guerra colonial. O programa do MFA, concluído em Março de 1974 e divulgado nos quartéis (na metrópole e nas colónias), iria depois resumir-se em três palavras-lema: Democratizar, Descolonizar e Desenvolver (os três “D”). 
  SOBRESSALTO POLÍTICO DE 1958 
 -"Obviamente, demito-o".- Humberto Delgado em campanha eleitoral no Porto 
 Em 1958, o povo português iria "eleger" o Presidente da República. A oposição escolhe o general Humberto Delgado para afrontar o candidato da União Nacional, Américo Tomás. Humberto Delgado não tem quaisquer reservas em admitir a intenção de destituir Salazar do cargo de Presidente de Conselho de Ministros, caso fosse eleito.  
Assumia, por conseguinte, o título de General sem medo. Estava apoiado por um amplo movimento fervoso que acabou por surpreender as mais optimistas vontades de mudança. 
Como tal, o regime fascista tremia, pela primeira vez, de forma convincente. 
Mesmo estando ciente da burla eleitoral que iria ocorrer e da forte repressão da PIDE, Delgado leva a sua candidatura às urnas, apelando, entusisasticamente, a que os eleitores comparecessem, para desmacararem, através do voto, os "traidores e os cobardes", os que "cometem ilegalidades constitucionais", "os inimigos do povo e dos princípios cristãos".
 As eleições foram ganhas pelo candidato da União Nacional. 
 Ainda assim, a credibilidade do Governo foi fortemente abalada. António de Oliveira Salazar estava ciente da possibilidade de outro fenómeno político semelhante voltar a ocorrer.
 Clarificavam-se as dificuldades para o Governo em continuar a enganar a opinião pública e subtrair-se às pressões internacionais. 
 O Presidente do Conselho de Ministros alterou novamente a Constituição: seria anulada a eleição por sufrágio directo do Presidente da República. 
 Passaria, assim, a ser eleito por um colégio eleitoral restrito. Salazar voltava a recorrer ao subterfúgio das leis para recusar uma inevitável mudança. 
- O Café Chave de Ouro está repleto. 
Estamos a 10 de Maio de 1958, a um mês das eleições para a Presidência da Republica. 
Primeiro acto público com a presença do Candidato Humberto Delgado depois de iniciado oficialmente o período eleitoral. 
À nossa volta personalidades de todos os matizes políticos que se opõem ao regime salazarista. 
E certamente não só. A Polícia Política, de uma forma ou de outra não deixará de aí ter ouvidos e olhos para, como usualmente, saber o que se passa e com quem se passa... 
 O professor Vieira de Almeida, o primeiro orador, com o brilhantismo que levava às suas aulas gente de todas as escolas superiores de Lisboa, depois de referir a surpresa enorme que teve pela sua investidura como Presidente da Comissão Nacional da Candidatura, considera-a explicada pela presença de tantas pessoas que representam tão diversas correntes de opinião. 
Faz de seguida a apresentação de Humberto Delgado, General, candidato independente.
 Não procura o apoio de partido algum. Apresenta-se sem compromissos partidários. 
Aceita o apoio de todos os homens de boa vontade.
 Desassombradamente, sem desconhecer o risco que corre. 
Explica que tal não significa que se considerem em si mesmos ilegítimos os partidos. 
Pelo contrário. 
Acrescenta que "a decisão de apresentar a candidatura é tanto mais meritória quanto as condições são nitidamente desfavoráveis". 
Ergue-se Humberto Delgado. A expectativa não pode ser maior. 
A sala está suspensa do que seguirá. 
Os minutos seguintes justificam-na, se todo o cenário não a tivesse justificado já. 
O General começa por agradecer as variadas presenças.
 Propõe-se responder às perguntas dos jornalistas. 
Critica o Governo e a União Nacional pela sonegação dos cadernos eleitorais à oposição. 
O que "integra a tendência de todas as ditaduras para a crueldade". 
Prossegue: "O Governo não abranda as suas tradicionais perseguições à oposição". 
Refuta a referência de determinado jornal à sua candidatura como sendo apoiada por uma potência estrangeira a que contrapõe o carácter indiscutivelmente nacionalista da sua posição desde sempre. Surge a primeira pergunta, do correspondente da France Press. "Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito?" 
 E a resposta, imediata, enérgica, sem uma hesitação, sem um tremor: 
- "Obviamente, demito-o". 
 É difícil acreditar no que estamos a ouvir. 
Mais que uma frase, é uma bomba. 
Uma revolução. Por terra a muralha que se opõe ao sacrilégio de dizer em público palavras agressivas ou menos respeitosas para com o "Chefe Supremo". Rebentar da bomba que verdadeiramente inicia o caminho que o introduz na História, e lhe carreia o cognome de "General sem Medo". 
"Sem medo" contagiante que liberta de muitos medos. E cria outros que o tempo mostrará. Eleição presidencial de 1958 e situação do país 
– perspetiva do escritor Aquilino Ribeiro* (entrevista ao Diário de Lisboa, 2 de junho de 1958) 
O meu candidato e o da maioria dos republicanos é o general Humberto Delgado. 
Devemos-lhe ter galvanizado a Nação. [...] Soube conquistar a opinião pública. [...] Deitou o medo para trás das costas. [...] Se, ao cabo de trinta e dois anos de poder absoluto, [o governo afirma que] há necessidade de continuar a revolução, [...] é porque não resultaram as políticas adotadas. 
Não houve, portanto, nenhuma revolução. Não se entrou numa era nova. O português continua infeliz como nunca. [...] O que é preciso é apresentar obra, estradas, caminhos de ferro, equipamentos de toda a espécie dignos do nosso século, portos, moradias higiénicas para as classes menos privilegiadas. [...] Pelo ritmo do progresso só daqui a cem anos teria Portugal um nível de vida aceitável, uma indústria comezinha – sempre antiquada em relação à do resto da Europa –, as estradas que ambiciona, os hospitais em que coubessem os seus enfermos. [...] Um regime que nos priva das liberdades fundamentais [...] pode equiparar-se a uma escola de vassalagem. [...] Em Portugal há muitos descontentes, muitos que têm fome, que choram [...]. Atendendo aos desejos manifestados pela opinião pública, alguma vez o Poder retificou os seus processos de governar? O Poder do Estado Novo é inalterável, como se tivesse recebido a omnisciência de Deus. [...] Em geral é a atrofia ou o marasmo. [...] Se o Estado Novo inventou uma política maravilhosa com o seu corporativismo, com as suas leis restritivas, porque é que as nações não vêm aprender a governar-se neste eldorado de felicidade e de amor? Porque, pelo contrário, se riem de nós? [...] A resposta implícita à interrogação de Oliveira Salazar: – «hei de entregar o Poder à rua?» é «não, senhor, devolve-o, como havendo cumprido a sua missão, a quem lho confiou: o exército». 
O exército depois dirá: é tempo de volver à constitucionalidade. * Intelectual e escritor (1885-1963). Participou na criação da revista Seara Nova; tem uma obra literária variada e de intervenção política.

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